Falamos sem dizer nada

Muitas vezes falamos um bocado, mas coisas que ninguém entende ou palavras que não significam muita coisa. Será que não existe uma forma melhor de se comunicar?

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Dois homens sentados conversando

Há pouco tempo tive a oportunidade de viajar para fora do Brasil. Logo depois que voltei, comecei a ensinar o inglês para um amigo que sabe menos que eu e achei que poderia ajudar.

A primeira experiência me ajudou a perceber o tanto que o inglês, apesar de ser uma língua falada por muitos, não é dominado por mim e nem por muitas pessoas que conheci. Isso fazia com que muitas coisas durante uma conversa não fossem compreendidas. Situações eram entendidas de forma errada e ninguém percebia ou percebia muito depois.

A viagem me deixou mais atento à forma que as pessoas conversam umas com as outras. A quantidade de detalhes quase impossíveis de se traduzir. A forma que cada mente transita de uma língua para outra. O sentimento que palavras de nosso idioma carregam além do seu puro significado.

Sobre este último caso, experimente virar para um conhecido que você tem pouca intimidade, olhar em seu olho e dizer “eu te amo” em português. Agora faça o mesmo em outro idioma que você aprendeu depois de mais velho. Na segunda situação, apesar de sabermos que o significado é igual, o desconforto é menor ou inexistente.

No meio dessas observações, percebi que os problemas das pessoas conversando em um idioma em que elas dominam menos não desaparecem no idioma materno. Na verdade, saber da dificuldade com a língua pode ajudar a esclarecer um mal-entendido.

No caso da língua materna, fica bem mais difícil de perceber. Foi aí que fiquei na dúvida se ninguém entende o que eu espero que as pessoas entendam mesmo quando falo português.

Analisando meu primeiro parágrafo

Quando comecei a escrever este texto, tinham exatos 62 dias que eu estava de volta em casa depois da viagem. Só que ao invés de falar exatamente o tempo eu acabei usando a expressão pouco tempo e acredito que quando você leu, não viu problema nenhum. Agora que você sabe a quantidade de dias, pode achar que não seja pouco tempo. Pode achar muito, inclusive. Quem sabe nem uma coisa nem outra?

Uma viagem de volta ao mundo que terminou há três anos, pode ter sido feita há pouco tempo. A ida à cidade vizinha que você costuma fazer uma vez a cada dois meses, talvez só parece ter terminado há pouco se tiver sido na última semana. Cada situação pode ser diferente, mas não vemos problema em dizer apenas que foi há pouco tempo. Dificilmente alguém que lê vai achar estranho.

Isso acontece da mesma forma em outras situações do mesmo parágrafo. Quando digo: uma língua falada por muitos, muitas pessoas que conheci, muitas coisas, percebia muito depois, mais atento etc. Toda vez que coloco uma palavra que indica intensidade é certo que o tamanho desta intensidade que está na minha cabeça é diferente da que está na sua. Aqui parece inofensivo, mas será que sempre é?

Comunicação como a fonte de todos os problemas

Duas raposas parecem discutir

Já parou para perceber que a comunicação, ou a falta dela, é apontada como um importante motivo para o fracasso de várias iniciativas que exigem que as pessoas conversem? Namoros, casamentos, relações de trabalho, projetos, empresas, sociedades, amizades acabam em conflito e geralmente o problema apontado é a comunicação entre as partes.

Sei que muitas vezes o apontado é que a comunicação acabou. No entanto, será que ela alguma vez existiu? Talvez todas as vezes que as partes tentaram se comunicar, na verdade não estavam se entendendo. Conversar se tornou uma perda de tempo.

Me recordo de um vídeo em que um casal dizia que descobriu que a palavra importante tinha um significado totalmente diferente para cada par. Um lado usava a palavras no sentido mais para coisas que tinha prioridade sobre todas as outras. Outro lado usava para coisas relevantes, mas que entre si tinha um grau variado de importância. Eles brigavam, porque davam atenção às coisas ditas importantes de forma muito diferente.

Nós gostamos de falar sem dizer nada

Por uns dias eu comecei a prestar atenção na maior parte das coisas que eu dizia e que no fundo não davam informação alguma. Percebi que a resposta deixa as pessoas satisfeitas e que se tentarmos ser claros, a conversa parece incomodar.

Nossa comunicação utiliza estes recursos o tempo inteiro. Usamos palavras para matar o tempo. Conversar de verdade exige muita energia. Tanto na hora de formularmos o que queremos dizer quanto na hora ouvir.

Imagine que um amigo tenha voltado de uma longa viagem. Provavelmente a primeira pergunta que você irá fazer é: então, como foi a viagem? Existe infinitas respostas para esta pergunta. Você está apenas abrindo a conversa para que a pessoa fale sobre a viagem. Seja o que ela achar que deve. Ela não é uma pergunta, é uma deixa.

Seu amigo, pode pegar a deixar e falar sobre qualquer coisa da viagem. Seja algo que seu amigo gostou muito ou algo que você poderia gostar, caso estivesse no mesmo lugar. Ou então, pode seguir o jogo e tentar responder à pergunta com uma palavra: longa, legal, chata, demais, cansativa, inesquecível.

Qualquer uma das palavras pode ser o suficiente para a pergunta. Uma resposta que diz muito pouco para uma pergunta que não queria saber de nada específico. Parece complicado e até bobagem, certo?

Uma reportagem do NY Times cita um estudo de um psicólogo chamado Arthur Aron onde se acredita que um casal, ao responder algumas perguntas, deve se apaixonar. Ou descobrir não ter chances juntos.

Algumas perguntas são do tipo: qual foi a última vez que você chorou na frente de outra pessoa e como você estava se sentido? Esse tipo de pergunta gera uma série de explicações complexas sobre a situação. As possibilidades de resposta ainda podem variar muito, mas a intenção é muito mais clara.

A maioria das conversas que tive na minha vida e que eu não me esqueço, eram extremamente complexas, difíceis e detalhadas. Essas conversas geralmente envolvem assuntos pessoais, onde uma ou ambas as partes falam sobre detalhes bastante pessoais. Parece que é no momento que evitamos usar perguntas e respostas que não dizem nada é que nos conectamos.

Será que conseguiríamos nos comunicar de outra forma

Dois macacos parecem conversar de forma calma

É comum brincarmos que quando alguém nos pergunta se está tudo bem, geralmente no começo de uma conversa, temos de responder sim. Experimente se aprofundar melhor no assunto e quem perguntou vai achar que você está maluco. Investigue a pergunta ou dê uma resposta complicada e será o bastante.

Inclusive, no Brasil a resposta para um” tudo bom?” Pode ser outro “tudo bom?” com uma entonação diferente. Assumimos que a pergunta é apenas um olá e não ousamos responder com algo que vai deixar os dois lados desconfortáveis.

Lembrando que a comunicação é um problema para muitos relacionamentos, não é possível que devemos apenas aceitar que ninguém conversa mais. Deve existir formas interessantes de realmente nos comunicarmos.

Jordan Peterson, polêmico psicólogo canadense que é amado e odiado mundo afora, dá uma dica interessante em seu livro, 12 regras para a vida. Quando estava brigando a mulher, o primeiro desafio era interromper a discussão e ficarem em cômodos separados.

Depois, ao conversarem novamente, cada um só poderia falar depois de explicar o que o outro acabou de falar. O outro deveria concordar que a explicação estava correta. Tente conversar assim e verá como pode ser exaustaste. Nunca testei o método, mas me parece interessante.

Não é fácil, mas parece valer a pena

Eu estou tentando cada vez mais ser claro no que falo. Minha situação é complicada, pois por muito tempo eu achei bonito usar palavras diferentes na minha fala. Acabei incorporando algumas na minha fala. Só que falar bonito sem ninguém entender é a coisa mais sem sentido possível. Puro ego.

Hoje, creio que meus amigos estão mais cansados de ouvir eu dizer que temos que garantir que o significado de uma palavra é o mesmo para os dois lados.

Também tenho percebido resistência em algumas pessoas em falar de coisas mais pessoais. De sair da conversa que não diz nada. Pessoas que se sentem bem falando sobre o mundo ou sobre os outros, mas na hora de entrar em um assunto pessoal e mais sério, acabam tendo dificuldade.

Sei que ainda permaneço cego para a maior parte das imprecisões durante minhas conversas. Não sei dizer a quantidade de vezes que sai de um papo com alguém que não entendeu nada do que eu disse, mas acha que entendeu. E vice-versa.

Só que cada vez mais eu consigo encaixar uma pergunta mais clara, que gera um papo muito mais interessante de participar. A sensação ao fim é que acabei de compartilhar um momento raro. Minha excentricidade parece valer a pena.

Assim, minha curiosidade sobre a forma que as pessoas se comunicam só aumenta. Também pareço mais atento sobre o assunto e espero que cada vez mais pessoas a minha volta também estejam.

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