Somos mestres em nos enganar

Somos bons em nos enganar e em negar os fatos. E o fato maior entre todos os outros é que nós não sabemos é de nada mesmo.

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cartas de mágico pegando fogo e flutuando

Outro dia estava fazendo o que mais faço de melhor, sonhando acordado. Comecei a pensar em um post que vi no Linkedin esta semana. Ele era sobre uma tragédia que aconteceu em São Paulo. Uma operação desastrada da Polícia Militar em um baile funk tradicional e que deve acontecer toda semana. Mesmo sendo regular, o evento não é feito com planejamento e segurança, mas de forma espontânea e no meio de uma grande favela.

O resultado da tragédia foram a morte de 9 pessoas pisoteadas. A repercussão foi enorme e o post surfava nesta onda. Eu já tinha visto o mesmo post antes em outro lugar. Vale lembrar que a pessoa estava copiando sem dar os créditos.

Ele também simplificava o assunto, mas não dizia nada ao mesmo tempo. Dizia mais ou menos que o problema não é o que dizem e que todo mundo sabe qual é o real problema. Só que o post mesmo não dizia que real problema era esse. Apesar de algumas opiniões divergentes, a ideia era dizer que a polícia jamais invadiria um evento de classe alta e tudo era culpa de discriminação e racismo.

Fiz algo que tenho o hábito de fazer. Comecei a escrever uma resposta sem raciocinar, apenas deixando meu raciocínio fluir. Quando eu terminei, pensei em qual era meu objetivo em escrever aquilo tudo. Quase todas as vezes eu acho que o texto não vai cumprir o objetivo, aí eu não envio e sigo feliz. Geralmente eu só mando quando chego à conclusão de que não fui ofensivo e quem sabe alguém vai rir lendo o que escrevi. Pois é, deletei tudo.

Só que ao sonhar acordado, logo antes de decidir escrever este texto, comecei a pensar como somos bons em nos enganar e em negar os fatos. E o fato maior entre todos os outros fatos é que nós não sabemos é de nada mesmo.

Nós ignoramos o que sabemos de verdade

Vou começar pelo outro lado da moeda. O mais interessante quando digo que não sabemos de nada é a capacidade que temos de ignorar o que sabemos. Temos na ponta da língua a solução para todos os problemas do mundo, mas para os nossos próprios, temos infinitas desculpas.

As causas principais de morte no mundo hoje são causadas porque as pessoas fumam, bebem, se preocupam e comem em excesso e porque não dormem, se exercitam e se divertem o suficiente.

Todos os problemas e soluções para a maioria dessas situações são conhecidos pela maioria das pessoas. Inventamos um milhão de desculpas para não dar sequer uma caminhada de 15min até o trabalho. Até chegar ao ponto de termos um motivo real de evitar a caminhada, porque o corpo já passou sequer suporta alguns passos. Começar mais devagar? Nem pensar!

Vivemos uma vida de reclamações com as insatisfações geradas pela vida, mas conseguimos fazer pouco para melhorar. Agora pergunte para a maioria das pessoas o que elas fariam se fossem o presidente da república e elas terão certeza de como guiariam o país para a prosperidade.

O mundo ficou complexo demais

desenho de um globo cheio de prédios altos

Se resolver nossos próprios problemas é uma tarefa que poucos conseguem, imagine resolver os dos outros?

Eu fico imaginando a complexidade que não deve ser a vida do síndico do prédio que eu morava. Imagine um prédio com 144 apartamentos. São dezenas de famílias para interagir. Além da articulação política interna e externa, a capacidade de gestão para fazer isso tudo dar certo e prosperar é maior do que muita tribo de antigamente. Um síndico tem que ser muito competente para tudo isso dar certo. Minha admiração aos bons síndicos.

Agora você vai subindo a complexidade. Um Presidente de uma empresa de centenas de funcionários, um prefeito, um governador, um presidente. A quantidade de decisões e as consequências de efeitos que cada uma delas pode gerar é impossível de ser compreendida para a mais inteligente das mentes.

Se quisermos ter informação suficiente para tomar qualquer decisão com o mínimo de segurança, podemos nos ver paralisados com a quantidade de possibilidades. E melhor achar que sabemos e tomarmos uma decisão o quanto antes. Se você lidera pessoas, provavelmente se enquadra aqui. Acha que faz um trabalho melhor que todo mundo ao seu lado, mas provavelmente está enganado.

E se quisermos, podemos ir muito além na complexidade. Ouvimos falar que o universo tem bilhões de galáxias como se fosse algo banal. Você ler que a Via Láctea tem 5,5 milhões de anos-luz de diâmetro não parece nada demais. Se formos tentar compreender o que isso significa mesmo, pode ser desesperador. É melhor continuamos aqui, navegando na internet e nos achando mais espertos do que nunca.

Temos evidências da nossa incapacidade

Sabemos que a diversidade de habilidades das pessoas é finita. Cada um de nós vai ser capaz de fazer com muita qualidade um conjunto muito limitado de coisas. No entanto, é fácil nos enganarmos e acharmos que conseguimos absorver toda a complexidade de mundo e encontrar as melhores respostas para todos os problemas.

Digamos que eu entregue para um conjunto de pessoas um teste de QI. Um teste extremamente limitado, mas que é capaz de medir a capacidade de uma pessoa em chegar as conclusões certas com um conjunto limitado de informações.

A grande maioria de nós vai conseguir processar um conjunto pequeno de informações. Nada muito complexo. Avaliar o cenário e enxergar padrões não é algo simples de se fazer. Uma parte de nós, não vai conseguir lidar nem com um conjunto pequeno de informações.

Por exemplo, ao olhar a figura abaixo, tente imaginar qual é a próxima figura:

teste de qi

Este é um teste de lógica dos mais simples. No entanto, é capaz que muitas pessoas não vão conseguir encontrar a resposta. Mesmo vendo a resposta certa abaixo, não irão entender como esta é a resposta correta.

Só que todas as informações necessárias para se chegar à resposta estão ali, na imagem acima. E ainda temos o benefício de termos apenas uma resposta. Repito, existe apenas uma. Por outro lado, a maioria das situações da nossa vida são extremamente complexas. Mesmo assim, somos capazes de aceitar que não resolvemos o problema da imagem, só que negamos todo dia nossa incapacidade de não termos ideia de como resolver os problemas do mundo.

Resposta do teste:

 resposta do teste

Do contrário seria insuportável

desenho de homem desfigurado com as mãos no rosto e sofrendo

Vamos nos aprofundar um pouco mais no parágrafo anterior. Se tivéssemos compreensão real do tamanho da nossa ignorância e da capacidade destrutiva das nossas ações, todos nós ficaríamos paralisados.

Sabe aquela história de que ele não sabia que era impossível e foi lá e fez? Pois esta é a realidade de todos nós, todos os dias. A vantagem é que tem muita gente tentando fazer alguma coisa e o sistema tende a se corrigir para o lado positivo. No entanto, a maioria de nós dá com a cara na parede uma boa parte do tempo.

Eu sei que é fácil olhar para o lado e achar que todo mundo está fazendo tudo errado. Só que a verdade é que quase todo mundo, igual a você, acredita que está fazendo o melhor que pode. Poucos são os que acordam de manhã com a ideia de acabar com o dia de todo mundo.

Se você imaginasse o tanto de coisa que você faz hoje que vai gerar um sofrimento enorme na vida do seu filho, não faria nada. Precisamos todos continuar tentando fazer algo e torcer para que a soma de todos os esforços seja positiva.

Lembro de um filme que assisti há muito tempo, chamado Sr. Ninguém. O protagonista do filme, Nemo, tem a habilidade de saber todas as possibilidades que suas escolhas podem resultar. Escolher morar com o pai ou a mãe, divorciados, e se casar com cada um dos três amores da sua vida resultam em uma vida totalmente diferente.

Ao apresentar cada um dos resultados de suas escolhas, Nemo chega a apenas uma conclusão. Não escolher nada. Por isso ele se torna o Sr. Ninguém. O conhecimento do futuro paralisa o protagonista, impedindo que ele consiga escolher e por consequência construir uma identidade.

E qual é meu ponto?

Que podemos tentar nossas soluções, mas entender que os outros estão tão por dentro do que estão fazendo quanto a gente. Sem nossa habilidade de explicar o que está ao nosso redor do nosso próprio jeito e muitas vezes impreciso, não seríamos capazes de ter paz de espírito e navegar pela vida.

Nós somos capazes apenas de julgar o mundo com base na quantidade de informações que temos. Já escrevi por aqui como as pessoas me julgavam quando decidir pedir demissão com base na experiência delas. Ou meu outro texto que eu desejava enxergar o mundo de uma forma mais ampla que minhas experiências permitiam. Todos estes comportamentos são frutos dessa nossa limitação.

Meu ponto é que é necessário saber que somos assim. Do contrário, andamos por aí como donos da verdade. Pessoas que se apegam a ideias e estão dispostas a discutir e defender seu ponto de vista como se não fosse possível estar errado. Escrevi este texto tem dois meses e posto em um momento de crise mundial (coronavirus) que a ideia ainda faz mais sentido.

Eu sei que toda vez que coloco uma opinião aqui, eternizo a possibilidade de estar errado. Além disso, enfrento o conflito do que defendo não estar de acordo com minhas ações. Tenho de enfrentar esta hipocrisia toda vez que me posiciono.

Também é saudável saber que isso é completamente normal. Perceber que todos fazem, deveria permitir você ver que também faz. Não tem como você ser o único com razão. Precisamos abrir nossos olhos para a possibilidade de estarmos errados. Relaxarmos um pouco nas discussões. O mundo se tornou complexo demais e você tem informação demais para saber muito do que está acontecendo. Só que você não tem a mínima ideia dos motivos ou o que fazer para chegar ao resultado que você espera. Relaxe e aceite a própria ignorância.

Por fim, acho que a única coisa que estou certo de que não estou errado é que estive errado no passado e estarei novamente no futuro. E meus parabéns, pois você também.

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