Como foi continuar trabalhando após pedir demissão

ma das experiências mais interessantes, pelo lado profissional e pessoal, foi trabalhar por dois meses após ter comunicado minha intenção de ir embora.

icone do instagram Bruno Barros

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Em agosto de 2018 eu tomei a decisão de que não continuaria trabalhando na empresa que eu estava. Entre a decisão e meu último dia de trabalho, muita coisa aconteceu e eu contei essa experiência em outra publicação.

Uma das coisas que eu não explorei no outro texto, foi o fato de eu trabalhar o mês de janeiro e fevereiro com todo mundo sabendo que eu tinha combinado de ir embora. Eu trabalharia até algum dia no mês de março, mas ainda não tinha assinado nada e não sabia exatamente qual.

Foi uma das experiências mais interessantes do lado de vista pessoal e profissional. Uma empresa com centenas de funcionários apenas no meu prédio, sendo que conheço uma boa parte deles, possibilitou que várias pessoas me procurassem para conversar ao saberem da minha decisão. Muitas delas sendo a primeira vez que conversamos. Cada conversa era uma experiência interessante, com algumas semelhanças que trago aqui.

Homem trabalhando em uma mesa de computador com fone de ouvido virado para um janela onde se vê o por do sol

Agora que vai embora, está desse jeito

A certeza de ir embora gerou uma expectativa de menos compromisso de algumas pessoas. Tinha gente que já perguntava o que era não estar fazendo nada, por saber que vou embora. Outras achavam que eu iria entrar em discussões falando o que penso, como se não fizesse isso antes. Que não tentaria resolver nenhum problema mais complicado, afinal eu não ganharia nada com isso.

O curioso é que eu comecei a tentar a me esforçar mais em contribuir para tentar fazer com que mudassem de opinião. No final não tinha muito a ver comigo. As pessoas em geral julgam os outros com base no que elas faziam na mesma situação.

Também achei interessante perceber que comportamentos que já existiam antigamente e que eu não achava nada demais, eram apontados como falta de preocupação em ser julgado. Uma visita ao Youtube no meio do expediente, que sempre aconteceu quando achei ser justificado, era rapidamente apontado como uma falta de compromisso.

Também percebi que não era prudente participar de algum trabalho que exigisse crítica à alguma coisa. Minhas críticas podiam ser julgadas como vazias, pois eu não estaria presente para ajudar na solução ou porque agora que não tinha receio de consequências, estava botando tudo para fora.

Se passei esta impressão em algum momento para você que está lendo, peço desculpas.

Você vai para onde?

Uma das coisas mais curiosas que comecei a perceber é o tanto que supomos sobre a vida das outras pessoas com base em nossa experiência. Fazemos perguntas que já definem como verdade uma série de outros fatores.

A primeira pergunta que quase todos me faziam quando sabiam que eu tinha pedido demissão era saber qual emprego eu tinha conseguido para pedir demissão do atual. Quando eu dizia que não tinha um lugar para ir, muitas vezes eu via confusão nos olhos que me miravam.

Eu me divertia com a situação, mas não posso deixar de perceber como é mais complicado responder uma pergunta que assume uma verdade por detrás dela. E a pergunta não tem nada de pessoal. Imagine se tivesse.

Sabe quando você pergunta para um casal que está há anos tentando ter filhos e não conseguem, quando vão ter o primeiro filho? Apenas um exemplo entre milhares. Muitas vezes essas perguntas têm respostas que nem nos interessam tanto, ou não nos diz respeito, mas é a forma que aprendemos a gerar assunto em uma conversa.

Se passei esta impressão em algum momento para você que está lendo, peço desculpas.

Você tem de ter um plano

Painel com vários papeis onde se vê um possível plano maior

A segunda frase mais falada era de que eu teria de ter um plano. Eu sempre falava que meu plano era ter tempo livre para quem sabe esbarrar em uma nova oportunidade. Eu sabia mais o que não queria do que o que queria.

Sabe o que acho mais interessante? Eu não conheço ninguém que tenha me dito que está vivendo a vida que planejou. As pessoas não me parecem ter um plano em ação, mas também não entendiam eu estar tomando uma decisão sem ter um plano.

O plano da maioria é continuar trabalhando e garantir não ser demitido. E longe de ser uma crítica, pois acho que cada um deveria poder escolher como tocar sua vida. No entanto, esse tipo de pergunta deixou mais claro para mim que apenas manter meu emprego nunca foi meu plano.

Os desconfiados

Meu emprego era muito bom, em uma empresa que não demite seus funcionários com uma alta frequência e meu salário era acima da média do mercado privado, para a mesma atividade.

Assim, um dos casos mais comuns, principalmente com pessoas que não me conheciam bem, era de não acreditarem que eu estava saindo sem ter outro emprego na mira. Some isso ao fato de eu ser mais reservado do que a média sobre minha vida pessoal e imagine o tanto de desconfiança gerada em minha volta.

Essa desconfiança gerava situações muito engraçadas. Por ser inconcebível eu estar pedindo demissão, sendo que quase ninguém largaria o emprego que eu tinha, as pessoas ficavam abertas a acreditarem em qualquer outra coisa mais próxima do universo delas.

Cheguei ao ponto de ver um colega brincando para outro que eu estaria mudando de estado para assumir um filho não planejado. A mãe morava em outra cidade e exigia que eu morasse por lá. Eu aceitei as condições e por isso tinha de largar o emprego. Cheguei a aumentar e dizer que apesar de não saber se o filho era meu, tinha de aceitar os riscos por ser o certo a se fazer.

A situação é cômica, e meu colega que ouviu a história jura que não acreditou, mas era evidente como a história da gravidez parecia mais compreensível do que a história real.

Os confiantes demais

Do outro lado da história, estavam aqueles que tinha certeza do porquê eu estava saindo da empresa. Sabe as perguntas que já assumem um bocado? Aqui era um show de questionamentos deste tipo.

Por estarem insatisfeitos com sua própria situação, alguns colegas juravam que eu estava saindo pelo mesmo motivo que eles sairiam. A insatisfação com o ambiente dentro da empresa, as incertezas, o saudosismo em relação ao passado, as promessas não cumpridas, a monotonia, os mesmos problemas sem solução, a insatisfação com a liderança, etc.

Muitas vezes a conversa seguia da forma: Bruno, ouvi dizer que você pediu demissão? Realmente, aqui está muito complicado por causa do motivo xyz. Antes mesmo de eu dar uma resposta, meu colega usava seu tempo para explorar sua insatisfação e desabafar. Aprendi demais sobre vários colegas. Alguns que eu nunca tinha conversado antes.

Nesses casos eu fazia questão de dizer que eu gostava muito do lugar que trabalhava. Não estava saindo porque achava a empresa ruim. Que eu nunca tinha acordado de manhã antes de trabalhar e me lamentado de ir para um lugar que eu não gostava de estar. Um dos motivos que me faziam sair era justamente saber que seria possível ficar ali a vida toda. A maioria nem registrava minha opinião.

Os procrastinadores

varios relogios representando o futuro

Eu chamo este grupo de procrastinadores, mas talvez sonhadores também seja um bom nome. Sempre visualizam estarem em outro lugar, mas não estão fazendo muita força para isso acontecer de fato. Parecem esperar que uma oportunidade caia do céu. Ou então dizem que o momento não é propício, pois não tem tempo agora.

Alguns ensaiam uma atividade ou outra que possa gerar uma alternativa para o emprego atual, mas que não duram muitos dias. No fundo, é mais uma insatisfação com a situação atual, que as vezes nem tem relação direta com o emprego, e o sonho gera o conforto de saber que a situação atual é temporária. Nossa mente é muito boa para tentar nos manter são em situações desconfortáveis.

Eu sempre brinco que se você acabou de perceber que tem um sonho e sua rotina continua a mesma, ele nunca deixará de ser um sonho. Se você não colocou nada em prática hoje para que ele aconteça, talvez não seja um sonho tão importante assim. E eu brinco, porque também sou bom em fazer a mesma coisa.

Os românticos

O perfil romântico é aquele que tem até um certo fetiche em relação ao pedido de demissão. São atraídos pela suposta rebeldia de largar um emprego que outros não largariam e as consequentes possibilidades. Como eu não tinha muita ideia do meu futuro, este era o perfil que eu mais gostava de conversar. A energia do papo era contagiante.

Muitos tem o sonho de viajar o mundo, de mudar totalmente a carreira, de ficar um ano aproveitando a família, de ir para um mosteiro, de fazer trabalho voluntário em tempo integral, de explorar uma habilidade de infância. O fato de saberem que um colega está pedindo demissão e tem a possibilidade de executar qualquer uma dessas ideias, faziam com que se sentissem quase na mesma situação.

Eles queriam saber se eu considerava fazer parecido com o que eles fariam se estivessem no meu lugar. Quando eu me identificava com a situação, era como se pudessem viver um pouco disso comigo. Davam cada vez mais ideias. Legal demais.

Os resignados

A palavra resignado tem uma definição pesada demais para este perfil: aqueles que suportam o mal sem se revoltar. No entanto, é quase isso. Algumas pessoas me diziam que estavam muito insatisfeitas, mas que não tinham opção a não ser continuar naquele emprego.

O procrastinador é diferente deste perfil, pois ele tem fé que irá para outro lugar melhor. A única esperança do resignado é que a situação atual melhore de forma espontânea dentro da empresa. Ele tem certeza que não tem como conseguir outra opção melhor e só lhe resta esperar.

Outro mecanismo que aplicamos bem em nossas vidas, pois aceitar que a vida pode ser diferente, é aceitar que todos estes anos que não saímos do lugar, foi responsabilidade nossa. Não é fácil.

Os conselheiros preocupados

Os conselheiros preocupados eram aqueles que independente de ouvirem ou não minha versão da história, tinha a missão de fazer eu desistir. O cenário de emprego atual no meu país mostra que tem muita gente com dificuldade de arrumar um trabalho. Eu não estava com o juízo no lugar ao tomar a decisão de largar um.

Chamo este grupo de preocupados, pois eu sentia terem um carinho especial por mim e estavam curiosos se eu não estava tomando uma decisão baseado em uma emoção momentânea. Queriam que eu esperasse um tempo, pois sabiam que eu mudaria de ideia. Queriam me ajudar a encontrar outra atividade dentro da empresa as vezes.

Os conselheiros disfarçados

homem todo fantasiado de forma cômica

Este grupo era mais difícil de perceber, mas também mostravam um grande esforço em me fazer desistir de tomar esta decisão. No entanto, eu percebia que eles estavam mais falando com eles mesmos do que comigo.

Este grupo era menos aberto a ouvir o que eu tinha a dizer. Esses são os resignados, ou talvez procrastinadores, mas que não se sentiam confortáveis em se abrir. Ou até mesmo estavam negando para si mesmo.

Tentar me convencer a ficar era como se fosse um exercício para que eles justificassem porque deviam aceitar os problemas do emprego atual. Estão insatisfeitos e repetem os motivos que os levam a não largar o emprego. Como somos curiosos, não?

Eu já fiz e provavelmente farei novamente

Acho que já chega, não é? Você deve ter percebido que no texto eu disse algumas vezes que as pessoas estavam me julgando através das próprias experiências, certo? O fato é que provavelmente eu identifiquei as situações acima porque já estive do outro lado muitas vezes e certamente estarei novamente.

Ainda me pego fazendo perguntas que assumem um bocado de coisa na própria pergunta. Tem coisas na minha vida que provavelmente assumo que não posso mudar.

Trabalhar estes meses demitido, tento a oportunidade de ter conversas que nunca tive antes, acredito que me ajudou a melhorar um pouco. Escrever sobre elas também. Assim, espero que te ajude um pouquinho também. Quem sabe?

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