Tirar os óculos me torna outra pessoa?

Os óculos me ajudam a ver o mundo de uma forma um pouco melhor, mas parecem influenciar muito mais a forma que as pessoas me veem do que a forma que eu as vejo.

icone do instagram Bruno Barros

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Há quatro anos eu fui ao oftalmologista e meu diagnóstico ficou claro. Eu precisava usar óculos. A minha vista embaçada estava incomodando no trabalho e eu já tinha dificuldade de reconhecer rostos de longe.

Assim que recebi meu primeiro par de óculos coloquei no rosto e não tirei mais. Sempre ouvi dizer que as pessoas se incomodam em usar, mas não foi o meu caso. Usei todos os dias. Estando em casa, no trabalho, ou onde quer que fosse, eu não pensava em tirar meus óculos.

Quando comecei o uso, várias pessoas faziam comentários a respeito de como eu estava parecendo. Muitos diziam que eu parecia mais inteligente. Eu não achava nada demais os comentários e nunca me chamaram muita a atenção.

No entanto, após pedir demissão e minha rotina mudar, os óculos foram ficando cada vez mais de lado. Foi em uma viagem de meses que percebi que usar o tempo todo dava mais trabalho do que vantagens.

Fui parando de usar e percebendo uma reação muito diferente das pessoas. Os óculos me ajudam a ver o mundo de uma forma um pouco melhor. Por outro lado, eles parecem influenciar muito mais a forma que as pessoas me veem do que a forma que eu as vejo.

Cachorro usando óculos

Viajando sozinho e de óculos

Eu passei três meses viajando sozinho, pulando de cidade em cidade, de hospedagem em hospedagem e não ficando no mesmo hostel mais do que quatro dias. Neste curto período você se apresenta e diz adeus a várias pessoas. Quase que todos os dias.

Neste tipo situação fica mais evidente como criamos opiniões rapidamente sobre os outros. É claro que eles fazem o mesmo com você. Como no começo da viagem eu estava habituado a usar óculos, demorei duas semanas a perceber que o uso os estava estragando e mais incomodando do que me ajudando. Eu estava em situações ao ar livre que me faziam suar e que também fazia com que fosse fácil perdê-los. A melhor opção era deixar guardado.

Neste período de duas semanas as pessoas que eu estava conhecendo acabavam falando sobre suas primeiras impressões. Diziam que eu parecia ser inteligente, bem-educado, sério, tímido e certamente não falavam, mas poderiam me achar o típico nerd.

Era comum comentarem sobre o par de óculos. Dizer que combinavam muito comigo. E se você está curioso, é o que estou usando na foto do artigo. Chegavam a pedir para testarem, ou comentarem se estava sujo e me ajudar a limpar. Curiosamente meus óculos era uma personagem em várias conversas. Foi aí, mas não por esse motivo, que eu parei de usar.

A viagem continua, mas os óculos vão para a mochila

Mochila em cima de uma pedra com paisagem ao fundo

Montando a minha bagagem para ir para a próxima cidade, pego o estojo com os óculos e guardo na mochila. Com a intenção de só tirar ele de lá em caso de necessidade. Meu grau não é tão alto. Enquanto escrevo este texto, não preciso utilizar, por exemplo.

Na minha cabeça, nada tinha mudado. Só que uma coisa que eu comecei a fazer no início da viagem foi escrever sobre minha rotina. Anotações diárias sobre o que estava acontecendo. Assim, eu conseguia perceber muito sobre como era minha interação com as pessoas que eu conhecia.

Comecei a perceber que a partir de uma certa cidade, as pessoas me julgavam como extrovertido, alegre, brincalhão. Mais próximo do estereótipo do brasileiro. Algumas até me disseram que se sentiam constrangidas de me abordar, pois eu parecia expansivo. Estas pessoas eram geralmente bastante extrovertidas. Era como se eu estivesse dividindo o palco com elas.

Confesso que por um tempo eu achei que a própria experiência da viagem pudesse estar me mudando. É claro que estava um pouco. Mas eu não sentia meu comportamento estar tão diferente do habitual, especialmente nos aspectos comentados.

Só que aí outra situação surgiu. Quando eu passava mais dias em um mesmo lugar e com as mesmas pessoas, era mais comum uma certa convergência nas opiniões. Inclusive comentários que afirmavam que tinham se enganado com a primeira impressão. Foi aí que eu lembrei dos óculos.

As quebras de expectativa

Se eu conhecesse um grupo de pessoas usando os óculos e passasse alguns dias com elas, a quebra de expectativa era do inteligente, sério e tímido para o brincalhão e alegre. Se alguém me conhecesse sem os óculos, o movimento era o contrário.

O curioso, é que dependendo de como começasse a interação, a opinião sobre quem eu realmente era mudava. No primeiro caso, eu seria uma pessoa séria, inteligente e que gosta mais da companhia de livros. Depois de criar confiança, eu relaxava e conseguia ser mais aberto a conversar e ser bem-humorado.

Se a interação começasse com uma primeira impressão de eu ser alguém extrovertido, obviamente o movimento era o contrário. Eu era o brasileiro que conversava com todo mundo, mas em um papo mais profundo e a dois, eu me mostrava sério. Como se eu conseguisse me desconectar das constantes piadas e focar em algo mais complexo também.

No fundo eu sempre era a primeira impressão, mas que conseguia quebrar um pouco a expectativa e sair deste comportamento esperado. Na minha opinião o perfil introvertido tem muito mais a ver comigo. Inclusive, dependendo do ambiente, fica até difícil ver o lado extrovertido.

Isso pode ser mais bem observado em uma excursão por sete dias que fiz com um grupo de 100 pessoas. Ficamos todos em um parque por todo o tempo e eu estava sem óculos. No entanto, ali era um ambiente onde eu estava extremamente conectado à minha versão introvertida. Os papos eram todos mais complexos e as atividades físicas exigiam concentração e força de vontade.

Só que eu não estava usando óculos o tempo todo. No entanto, quem me conhecia, principalmente quem estava dividindo o mesmo alojamento, não tinha dúvida que eu era uma pessoa mais introvertida. No último dia, coloco os óculos e a reação de duas pessoas foi dizer que agora fazia sentido. Como se os óculos fosse algo que faltava na forma que eles me julgavam. Foi aí que caiu a ficha.

Não são apenas os óculos

Conjunto de roupas em cima de uma cama

Eu nunca me senti parte de nenhum grupo por causa das minhas roupas. Sempre escolhi peças baratas que me dessem conforto e eu me sentisse bem ao espelho. Dependendo da peça, me olhar no espelho era uma coisa que eu nem considerava.

Só que eu percebi que uma peça em frente ao meu rosto ajudava a completar uma imagem que as pessoas tinham de mim. Não deve ser novidade para ninguém, mas quem realmente pensa nisso antes de se vestir?

Eu estava na melhor situação possível para entender do assunto. A cada poucos dias eu estava mudando de lugar e ninguém me conhecia. Eu podia mudar completamente de aparência e entender como as pessoas reagiam a isso antes mesmo de eu falar uma palavra.

Passei alguns dias vendo que ao mudar qualquer detalhe da minha aparência, eu gerava uma expectativa de idade, personalidade e até habilidades totalmente diferentes. Outras características que eu não podia mudar também começaram a me chamar a atenção.

Eu podia mudar o corte de cabelo ou apenas a forma de pentear, a barba, minhas roupas, colocar uma corrente no pescoço, anéis, pulseiras, relógio etc. Opções ilimitadas. Quem me conhece a muito tempo e tem me visto nos últimos dias deve estar começando a entender algumas coisas.

Curiosamente, algumas dessas mudanças me deixavam desconfortáveis no começo e eu usava mesmo assim. Até para entender o porquê. O sentimento era como se uma corrente no meu pescoço não fizesse sentido. Também servia para eu me desapegar de alguns sentimentos que me limitam, não é mesmo?

E então, quem sou eu?

O fato é que meu comportamento não mudava muito com a nova forma de se vestir, mas a forma que as pessoas me enxergavam, sim. As pessoas que buscavam minha companhia mudavam completamente. O que me ajudava inclusive a conhecer pessoas totalmente diferentes. O que eu acho demais.

Me vestir de apenas uma forma, constantemente, limitava minhas opções. Também comecei a perceber que eu também julgo os outros o tempo todo. Assim, ao conhecer pessoas diferentes, eu também estava quebrando minhas expectativas e vendo um pouco mais além.

Comecei a lembrar de quando em uma época do trabalho me diziam que eu parecia um contador dos anos 70, dependendo do tipo de roupa que eu usava. Depois que voltei para casa comecei a mudar alguns detalhes também passei a ver a reação das pessoas.

É cada vez mais interessante ver o rosto de quem me conhece há muitos anos quando estou diferente do que ela espera. As pessoas acham que eu estou completamente mudado. Simplesmente porque o cabelo está para um lado diferente. E faz sentido, se estou em um ano de mudanças, mas não é porque me vejo de uma forma diferente. É mais porque me libertei das formas antigas.

E expectativas vão muito além da roupa. O fato de eu ser brasileiro, na Europa, faz com que já esperem um monte de coisa de mim. Estar sem óculos e ser brasileiro definia o estereótipo de extrovertido, por exemplo. E não era só isso. Eu percebi que o estereótipo acabava estimulando o comportamento esperado. Não apenas em mim. Eu via outros brasileiros vivendo este personagem. Só que isso já é outro assunto longo.

O fato é que eu não sei dizer algum tipo de aparência que define minha personalidade. Espero me desapegar cada vez mais na hora de julgar as outras pessoas por isso também. Por enquanto, vou variando a forma que me apresento e me divertindo com isso.

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