Com quais lentes eu enxergo o mundo?

Ando me perguntando se é possível enxergar o mundo como ele é, sem as lentes da minha identidade, expectativas, experiências.

icone do instagram Bruno Barros

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Ando me perguntando se é possível enxergar o mundo como ele é, sem as lentes da minha identidade, expectativas, experiências. Tudo que observo é associado ao que sei, ao que espero, ao que sinto. O mundo se torna minha experiência e não o que ele realmente é.

E sei que primeiras impressões mantiveram minhas gerações anteriores vivas por tempo suficiente para eu nascer. Só que não quero que a primeira impressão seja a opinião que prevaleça, nem mesmo que ela exista em algumas situações.

Ao sinal de perigo, na dúvida, é melhor correr. Mas o mundo hoje é diferente e mais complexo. Será que minha reação também não poderia ser? Vejo um mundo que não é real e tendo a ficar com essa impressão para sempre.

Imaginar que sei algo sobre alguém que acabei de conhecer, só por causa da cor da sua roupa, me limita em entender quem está de fato em minha frente. É o cheiro da comida que me afasta de sentir o verdadeiro sabor. É o visual de um prato novo que me impede de achar que pode ser bom. São minhas crenças limitantes que me impedem de tentar, por achar que é impossível.

No último ano, quando resolvi fazer coisas diferentes, o que mais escuto são as pessoas dizendo que elas nunca poderiam fazer o mesmo. Que minha situação é mais fácil agora e sempre foi. Por que será que só consigo enxergar estas limitações quando os outros estão usando como desculpa? Por que será que é tão difícil enxergar em mim mesmo?

Pessoa segurando óculos que mostra única parte focada ad imagem

O karaokê

Meu último final de semana foi ótimo. Um amigo que gosto demais estava comemorando uma posição nova no emprego e resolveu chamar eu e outros amigos para comemorarmos juntos. Fomos a um bar e depois um de nós teve a ideia de irmos cantar em um karaokê.

Já era tarde e quando chegamos ao karaokê já não tinha mesa disponível para todo mundo se sentar. Poderíamos entrar, mas teríamos que ficar em pé. Não se sentar não era um problema para ninguém, mas as pessoas começaram a se lamentar, pois se não teríamos mesa, não poderíamos cantar também.

Nada foi dito pela moça da entrada que não poderíamos cantar se não tivéssemos mesa. Inclusive a pessoa que chegou a esta conclusão nunca tinha estado em um karaokê antes. Só que as outras pessoas estavam concordando e resolvendo ir embora. O grupo já combinava outra opção de lugar.

Confirmei com a moça da entrada que uma coisa não tinha a ver com a outra. Quando eu disse para meus amigos que poderíamos cantar, todos ficarem satisfeitos e resolveram entrar. Não só cantamos, como assim que entramos uma mesa ficou disponível e acabamos nos sentando.

Não conseguia deixar de me perguntar quantas vezes eu não deixei de fazer algo, pois tinha certeza sobre algo anterior que só existia na minha cabeça. Sabe quando a gente não pergunta, pois temos certeza de que vamos ouvir um não? No caso do karaokê, estávamos prestes a ir embora de um lugar que foi extremamente divertido.

A Terra plana

Hoje muita gente ri dos terraplanistas. Eu sou engenheiro de telecomunicações, o que me dá um pouco mais de embasamento do que a média das pessoas no tema da Terra ser redonda. Equipamentos de décadas atrás já exploravam a curvatura da Terra para transmitir sinais. Sabe o radinho AM que pegava no interior, mas o FM não? Pois é.

No entanto, eu não posso dizer que tenho certeza que a Terra é redonda. Não posso dizer que já vi com meus próprios olhos a forma de globo. Mesmo se tivesse visto, poderia dizer que é 100% certo por causa disso? Foi um sonho? Uma ilusão? Minha percepção define o que é verdade e eu estaria disposto a dar minha vida por isso? Alguém mais entendido pode até dizer que meu exemplo do radinho AM é ridículo, só para começar.

Eu também não tenho conhecimento científico para refutar muitos dos argumentos dos terraplanistas. Pois alguns são baseados em hipóteses que acabam sustentando alguns argumentos aparentemente absurdos. Por exemplo, é possível assumir que o sol é bem menor do que é, que a Terra é plana e calcular a trajetória do astro rei com base nessas duas hipóteses.

Claro que é engraçado ver as pessoas terem certeza sobre a teoria plana, mas o comportamento não é tão estranho quanto parece. Por gerações defendemos ideias que hoje são consideradas completamente absurdas. Todo mundo defendia no passado que a Terra era plana e a maioria de nós não é diferente destas pessoas. Certamente veremos no futuro que acreditamos em coisas que não são realidade.

Viajar me fez perceber melhor minha miopia

Homem de costas com mochila e olhando paisagem

Esse meu comportamento de julgar os outros ou situações com base em minha experiência fica mais evidente quando estou viajando. Percebo o tanto que o lugar que eu nasci e as pessoas que tive contato definiram meu comportamento de hoje.

Alguém que cresce em uma cultura onde o toque não é permitido entre as pessoas, não experimenta um abraço da mesma forma que eu. Este é um simples exemplo. No entanto, não deixo de perceber o tanto de oportunidades que deixo de aproveitar, simplesmente porque minhas experiências anteriores tentam definir as futuras.

Olhamos o mundo através da janela que nossa família e cultura nos ofereceu. Cheiros e sabores são limitados. Achamos que sotaques não são diferentes, mas sim feios. Olhamos as pessoas a nossa volta e julgamos comportamentos simples como ofensivos.

Um Europeu que assua o nariz na mesa do almoço é visto como mal-educado pelo brasileiro e não como alguém diferente. Um brasileiro que coloca a mão no bolso de trás da calça pode ser julgado como ousado, por estar se tocando em público. Dependendo da cultura, você pode julgar estas coisas como certo ou errado e não como um simples ato cultural.

Uma história que tem a ver com cultura e que sempre conto é de um amigo alemão. Ele disse que ao abraçar sua mãe por um longo tempo, depois de adulto, fez com que ela chorasse como uma criança. Nada foi dito, apenas um abraço em um lar que não tinha este hábito. Te parece possível ou algo muito distante? Depende de onde você é.

Eu incomodava, mas não como eu esperava

Cerca de poucos meses atrás, eu me hospedei em um hostel. Eu tinha certeza de que duas mulheres que dividiam o quarto comigo não me suportavam. Toda vez que eu iniciava uma conversa elas pareciam entediadas e evitavam falar comigo. Elas encerravam o diálogo de forma muito rápida.

As respostas eram evasivas ou até agressivas, na minha impressão. Uma coisa que tenho como valor é que as pessoas devem ser simpáticas e eu não sabia o que estava fazendo para ser tão desagradável. Acabei desistindo e parei de interagir. Resolvi não perguntar, pois eu só incomodava.

No último dia, depois de bebermos um pouco e minutos antes de irmos embora, uma delas vem falar comigo e confessa ter gostado muito de mim desde o dia que cheguei. Só que na cultura dela a mulher reage com frieza, principalmente quando é tímida, ao interagir com um homem. A rejeição delas deveria me intrigar e fazer com que eu me esforçasse? Não sei.

Nunca vou poder saber dizer direito, pois o tempo só dava para eu dizer que tinha sentido o contrário. Que minha presença não era bem-vinda. Parecido com a história do karaokê, agora foi eu que aceitei algo como verdade e não perguntei o que estava acontecendo. Talvez eu pudesse ter visto a situação com outros olhos e não me sentido rejeitado.

Não estou dizendo que ao saber que ela se interessava por mim eu deveria corresponder. Não estou dizendo que a oportunidade que perdi foi que poderíamos ser amigos ou até um casal. A oportunidade que perdi foi entender melhor uma pessoa totalmente diferente de mim. Alguém que eu não entendi, porque achei que já tinha entendido.

Quando as lentes embaçam ou sou obrigado a não usar óculos

Tem dois tipos de situações que geraram as melhores memórias em relação a experiências que pude viver o mundo como ele é. A primeira eu chamo de lentes embaçadas, pois meu julgamento está mais alterado do que o habitual. A segunda é quando digo que sou obrigado a não usar óculos, que é quando é muito difícil dizer não para uma experiência muito diferente.

A lente embaçada é fácil. Geralmente ela acontece depois de três ou quatro doses de alguma bebida alcoólica. É impressionante como neste ponto eu julgo menos a mim mesmo e ao mundo, apesar de ainda estar bastante funcional, digamos assim. A necessidade de avaliar a experiência que estou vivendo e a categorizar em algum grupo na minha mente é bem menor.

Estes momentos são como se eu tivesse uma janela de oportunidade para viver algo de forma mais aberta e inclusive mudar de opinião depois do efeito do álcool. Depois da quarta dose eu acredito que é ladeira abaixo e aí é só irresponsabilidade mesmo. Por isso, eu evito.

A segunda, que chamo de ser obrigado a não usar óculos, é quando vou atrás de alguma experiência que me interesso muito, mas que irá atrair pessoas diferentes da que convivo diariamente. Um exemplo foi quando fiz um Workshop sobre o método Wim Hof, em São Paulo.

As pessoas eram das mais variadas, mas ninguém ali, exceto um amigo que foi comigo, era alguém que seria fácil de eu ter esbarrado em outra situação. Fui além e resolvi conhecer o Wim Hof pessoalmente. Me juntei em uma imersão de 7 dias com ele, no verão da Espanha, e as pessoas eram mais variadas ainda. Uma das experiências mais enriquecedoras que já tive e que gerou amigos inestimáveis que mantenho por perto até hoje.

E como vai ser daqui para frente?

É bem verdade que foi depois de uma conversa de duas horas por telefone, com um amigo que fiz nesta última situação, que tive a ideia de escrever este texto. Antigamente eu jamais me imaginaria mantendo contato com pessoas distantes, falando no telefone por mais de cinco minutos e conhecendo tanta gente diferente. Mas sou bem grato por esta ser a situação atual.

Como não pretendo estimular o consumo de álcool, nem beber mais do que já faço, quero preencher minha vida com uma boa quantidade de experiências com pessoas diferentes. Que eu seja obrigado a enfrentar meus preconceitos e visões erradas do mundo. Eu acredito que postar meus textos pode me ajudar nesta missão.

Quem sabe algum dia eu possa enxergar o mundo e as pessoas assim como elas são e não como eu espero que sejam? Eu não sou são tão inocente. O desafio será diário e espero estar cada vez mais preparado para enfrentá-lo.

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